Marco regulatório das moedas sociais no Brasil: o que muda e como funciona
O Brasil está prestes a regulamentar oficialmente as moedas sociais pela primeira vez em 27 anos de prática.
O que é uma moeda social e como ela funciona?
A moeda social resolve isso criando um dinheiro próprio que só funciona ali, incentivando vizinhos a comprarem uns dos outros.
Como funciona na prática
Um exemplo simples:
Você troca reais pela moeda local - Deposita R$ 100 e recebe 100 “Palmas” (ou “Mumbuca”, “Terra”, dependendo da comunidade)
Vale sempre a mesma coisa - 1 moeda social = 1 real, sempre. Não oscila como Bitcoin
Usa para comprar localmente - Padaria do bairro, mercadinho, salão de beleza, farmácia - todos aceitam
Ganha desconto - Muitos comerciantes dão 5-10% de desconto quando você paga com a moeda local
Pode converter de volta - Se precisar de reais, converte em 1-2 dias (comerciantes costumam fazer isso)
Por que existe?
Três objetivos principais:
Manter o dinheiro girando localmente - Em vez de sair, o dinheiro fica e circula várias vezes na comunidade
Incluir quem não tem banco - Qualquer pessoa pode ter uma conta digital, sem burocracia
Fortalecer laços comunitários - As pessoas passam a se conhecer e ajudar umas às outras
Diferenças importantes
Moeda social NÃO é:
Moeda oficial (como o real) - ninguém é obrigado a aceitar
Criptomoeda especulativa - não serve para investir
Válida em qualquer lugar - só funciona na comunidade
Moeda social É:
Completamente lastreada em reais guardados no banco
Digital (app de celular) ou física (cédulas de papel)
Gerenciada pela própria comunidade através de bancos comunitários
Quem Pode Criar Moedas Sociais?
Dois tipos principais de criadores
1. Comunidades organizadas (modelo mais comum)
Quem especificamente:
Associações de moradores
Cooperativas populares
ONGs e organizações da sociedade civil
Movimentos sociais organizados
Grupos comunitários de bairros, favelas ou assentamentos
O que precisam:
Estar formalmente constituídos como Organização da Sociedade Civil (OSC)
Ter representatividade na comunidade local
Conseguir capital inicial (pode vir de doações, recursos públicos ou depósito coletivo)
Cadastrar-se no Cadsol (Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários)
Formar um conselho local de prestação de contas
Buscar autorização do Ministério do Trabalho e Emprego (após o marco regulatório ser aprovado)
Exemplo real: O Banco Palmas foi criado pela Associação de Moradores do Conjunto Palmeiras em Fortaleza, em 1998. Os próprios moradores se organizaram, criaram a moeda “Palmas” e hoje é referência internacional.
2. Prefeituras municipais (modelo em expansão)
O que podem fazer:
Criar moedas sociais como política pública municipal
Aprovar lei municipal estabelecendo o programa
Contratar (via chamamento público) uma OSC para gerir o banco comunitário
Investir recursos do orçamento municipal como lastro
Distribuir benefícios sociais através da moeda
Exemplo real: A Prefeitura de Maricá (RJ) criou a Mumbuca por lei municipal, investe R$ 18 milhões mensais e distribui benefícios para mais de 90 mil pessoas. É uma política oficial de governo.
O processo passo a passo
Para comunidades:
Organização inicial - Reunir pessoas interessadas, formar associação ou OSC
Planejamento - Definir território, nome da moeda, serviços que oferecerão
Formalização legal - Registrar a organização oficialmente
Capital inicial - Captar recursos (pode começar pequeno, com R$ 5-10 mil)
Cadastro oficial - Registrar no Cadsol e buscar certificação
Rede de comerciantes - Convencer lojistas locais a aceitar a moeda
Lançamento - Começar operação, educar a comunidade
Para prefeituras:
Decisão política - Prefeito e câmara decidem criar o programa
Lei municipal - Aprovar legislação criando a moeda social
Chamamento público - Selecionar OSC que vai gerir
Orçamento - Separar recursos (precisa de lastro 1:1 em reais)
Infraestrutura - Implementar sistema digital (geralmente E-Dinheiro)
Credenciamento - Cadastrar comércios e beneficiários
Operação - Lançar e monitorar resultados
Requisitos essenciais (sob o novo marco regulatório)
Todos os criadores precisarão:
✓ Lastro integral - Ter 1 real guardado para cada 1 moeda social emitida
✓ Sistema digital - Operar através de tecnologia blockchain (registro distribuído)
✓ Paridade fixa - Manter sempre 1 moeda social = 1 real
✓ Autorização oficial - Obter certificação do Ministério do Trabalho e Emprego
✓ Transparência - Prestar contas regularmente sobre circulação e reservas
✓ Âmbito local definido - Deixar claro onde a moeda circula (bairro, município, território específico)
Quem NÃO pode criar
❌ Empresas privadas com fins lucrativos - Moedas sociais são para desenvolvimento comunitário, não para lucro empresarial
❌ Pessoas físicas isoladas - Precisa ser coletivo/organização
❌ Sem lastro em reais - Não pode criar “do nada”
❌ Para circulação nacional - Precisa ser restrito a um território local
Um caso real: Maricá (RJ)
Em Maricá, mais de 130 mil pessoas usam a moeda “Mumbuca”:
Recebem benefícios da prefeitura em mumbuca
Fazem compras em 13 mil estabelecimentos
Movimentaram R$ 3 bilhões desde 2018
95% da moeda fica circulando - não vira real!
Isso criou empregos, fortaleceu o comércio local e deu dignidade para famílias pobres.
Em resumo
Moeda social é como criar um “sistema circulatório econômico” para sua comunidade - o dinheiro entra, circula várias vezes fazendo o bem, e raramente sai. É uma ferramenta simples mas poderosa de desenvolvimento local e inclusão social.
O Projeto de Lei 4476/2023, aprovado por duas comissões da Câmara dos Deputados (novembro de 2023 e outubro de 2025), aguarda aprovação final pela CCJ e pelo Senado antes de se tornar lei. GOV.BR +2 Quando aprovado, o marco trará segurança jurídica para 152 bancos comunitários, 182 moedas sociais, 250 mil usuários e 27 mil estabelecimentos comerciais que já movimentam R$ 1 bilhão anualmente através desse sistema alternativo de economia solidária. Ponta Porã InformaGOV.BR
As principais regras do novo marco regulatório
O marco estabelece definições e requisitos claros para o funcionamento das moedas sociais no Brasil. A regulamentação abrange desde a definição legal até os processos operacionais.
Definição legal estabelecida no Artigo 2: “Moeda social é instrumento de pagamento que circula no âmbito da área de atuação do banco comunitário emissor.” Câmara dos Deputados Esta definição reconhece formalmente as moedas sociais como instrumentos legítimos de pagamento, mas com circulação geograficamente restrita.
Requisitos tecnológicos obrigatórios: As moedas sociais deverão ser emitidas exclusivamente em formato digital através de registros descentralizados, imutáveis e públicos (como blockchain). Banco MunicipalCâmara dos Deputados Todas devem estar integralmente lastreadas na moeda nacional e permanentemente indexadas ao Real em paridade 1:1. Banco Municipal +2 Esta exigência representa uma mudança significativa, pois algumas moedas ainda utilizam formatos físicos em papel.
Autorização e certificação: O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), será responsável por autorizar e certificar as entidades aptas a emitir moedas sociais. Os bancos comunitários devem estar cadastrados no Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários (Cadsol) e passar por avaliação de comissões estaduais e nacionais. GOV.BRMINUTO MT
Período de transição: As moedas sociais criadas antes da entrada em vigor da lei terão dois anos para se adequar às novas regras. Câmara dos Deputados Após este período, a circulação de moedas não conformes será proibida. Câmara dos Deputados
Limites e regras operacionais: Embora os detalhes específicos ainda não estejam totalmente públicos, o marco estabelecerá número máximo de contas que bancos comunitários podem ter, critérios de conversão de moedas, limites de investimento e taxas máximas que podem ser cobradas. GOV.BR
Como as moedas sociais funcionarão na prática
O funcionamento das moedas sociais combina tecnologia digital, organização comunitária e princípios de economia solidária para criar um sistema financeiro alternativo e inclusivo.
Estrutura dos bancos comunitários: Os bancos comunitários de desenvolvimento (BCDs) são serviços financeiros solidários sem fins lucrativos geridos pela própria comunidade. Banco Municipal Operam sempre com duas linhas de crédito: uma em reais (R$) e outra em moeda social. A comunidade decide criar o banco, tornando-se gestora e proprietária através de organizações da sociedade civil (OSCs). Institutobancopalmas
A plataforma E-Dinheiro: O sistema digital brasileiro para moedas sociais é o E-Dinheiro, operado pelo Instituto E-Dinheiro Brasil. Observatório 3 Setor A plataforma oferece acesso multicanal através de aplicativo para smartphones (Android e iOS), internet banking e cartões físicos. EdinheirobrasilEdinheiro Atualmente atende 235 mil usuários em 161 moedas sociais ativas. CNN Brasil A maioria dos serviços financeiros é gratuita, diferentemente dos bancos tradicionais. Edinheirobrasil
Passo a passo para cidadãos:
Baixar o aplicativo E-Dinheiro ou visitar o banco comunitário local
Registrar-se com CPF e telefone
Depositar reais (convertidos automaticamente para moeda social na paridade 1:1)
Usar o app, SMS ou cartão para fazer transações
Comprar em estabelecimentos credenciados na comunidade
Receber descontos de 5-10% ao usar moeda social
Passo a passo para comerciantes:
Abrir conta digital pré-paga no banco comunitário
Receber cartão empresarial
Aceitar pagamentos via app ou cartão dos clientes
Usar a moeda social para fazer compras locais
Se necessário, converter para reais (prazo de 48 horas, taxa de 1%) Edinheirobrasil
Transferir para bancos comerciais (Caixa, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander, Sicoob)
Tipos de serviços oferecidos pelos bancos comunitários:
Os bancos oferecem crédito produtivo em reais para expansão ou criação de empreendimentos, com juros de 1,5% a 3% (muito abaixo dos bancos tradicionais). Aderes O crédito de consumo é concedido em moeda social, geralmente sem juros para os consumidores, estimulando o consumo local. Fundos solidários de compra coletiva permitem que grupos de trabalhadores da mesma atividade comprem diretamente de fornecedores, pagando em 6 parcelas sem juros. Institutobancopalmas
Além disso, oferecem serviços de correspondente bancário (permitindo pagamentos e recebimentos em nome de bancos comerciais), programas de poupança, microsseguro, educação financeira e, cada vez mais, servem como canal para programas sociais governamentais. EdinheirobrasilAderes
Diferenças entre moedas sociais e outras moedas
As moedas sociais possuem características únicas que as distinguem claramente de criptomoedas, dinheiro tradicional e outras moedas digitais.
Moedas sociais versus criptomoedas: A diferença mais fundamental está no controle e propósito. Moedas sociais são gerenciadas por organizações comunitárias ou instituições oficiais e têm valor fixo em paridade 1:1 com o Real, enquanto criptomoedas são descentralizadas sem autoridade central e têm valor determinado pelo mercado com alta volatilidade. As moedas sociais visam desenvolvimento econômico local e inclusão social em áreas geográficas específicas, ao contrário das criptomoedas que são globais e frequentemente voltadas para investimento ou especulação. Crucialmente, moedas sociais são totalmente lastreadas em reservas de reais, enquanto criptomoedas não têm lastro, baseando seu valor em confiança e escassez. Wikipedia
Moedas sociais versus real (dinheiro tradicional): Moedas sociais não são moeda de curso legal - sua aceitação é voluntária apenas entre participantes do sistema. São emitidas por bancos comunitários sem fins lucrativos, não pelo Banco Central. Wikipedia Seu escopo é estritamente local, ao contrário do real que tem circulação nacional e internacional. O propósito também difere: moedas sociais focam em desenvolvimento social e economia local, enquanto o real é meio geral de troca. Wikipedia Moedas sociais são projetadas especialmente para pessoas sem acesso bancário ou com acesso limitado.
Moedas sociais versus dinheiro digital tradicional (Pix, cartões): Embora ambos sejam digitais, moedas sociais utilizam tecnologia blockchain segundo a nova regulamentação, enquanto sistemas bancários tradicionais usam plataformas centralizadas. Banco Municipal O escopo geográfico é exclusivamente comunitário local para moedas sociais. Uma diferença crucial é que moedas sociais não requerem conta bancária tradicional, sendo projetadas justamente para inclusão financeira de quem está fora do sistema bancário. EdinheirobrasilInvestindoporai Além disso, constituem unidades monetárias separadas (Palmas, Mumbuca, etc.) com identidade própria, não apenas transações em reais.
Exemplos práticos: como funciona no dia a dia
Os casos mais emblemáticos demonstram como as moedas sociais transformam realidades locais na prática.
Banco Palmas - O pioneiro (Fortaleza, Ceará): Criado em 1998 pela associação de moradores do Conjunto Palmeiras, bairro de 30 a 40 mil habitantes no sul de Fortaleza, o Banco Palmas surgiu quando 90% dos moradores gastavam sua renda fora da comunidade. GOV.BRwww O banco percebeu que 80% dos produtos consumidos poderiam ser produzidos localmente. CNN BrasilSciELO Brazil Hoje, com 240+ estabelecimentos aceitando a moeda Palmas, o dinheiro circula dentro da comunidade, fortalecendo a economia local. Os comerciantes oferecem descontos de 5-10% para compras em Palmas, incentivando o uso. Wikipedia Desde 2015, opera digitalmente através do E-dinheiro Palmas, permitindo pagamento de contas, transferências e recarga de celulares pelo app. Politize!
Mumbuca - A maior escala (Maricá, Rio de Janeiro): O Banco Mumbuca é o maior banco comunitário da América Latina, com mais de 130 mil titulares de contas. Entre 2018 e 2024, movimentou impressionantes R$ 3 bilhões, representando 20% da economia local. CNN BrasilPrefeitura de Maricá Atualmente, 91.487 moradores recebem benefício mensal de 200 mumbucas (equivalente a R$ 200), com a prefeitura investindo R$ 18 milhões mensais no programa. CNN BrasilPrefeitura de Maricá O sistema processa 20 mil transações por minuto e conta com 13 mil estabelecimentos comerciais cadastrados. Prefeitura de Maricá Durante a pandemia de COVID-19, Maricá aumentou o benefício para 300 mumbucas e microempreendedores receberam 1.045 mumbucas mensais, permitindo isolamento social sem colapso econômico. CNN BrasilRevista FT Notavelmente, apenas 5% dos mumbucas emitidos são convertidos para reais - 95% permanecem circulando na economia local. Prefeitura de Maricá
Cenário prático A - Compra e venda de peixe: Um pescador no Palmeiras pesca e vende para vizinhos usando moeda Palmas. Com os Palmas recebidos, compra pão de padaria local. O padeiro usa os Palmas para comprar insumos em mercado local. O dinheiro circula múltiplas vezes dentro da comunidade antes de eventualmente sair, criando uma economia circular que gera empregos e renda localmente.
Cenário prático B - Empreendedora iniciante: Uma mulher quer abrir pequena padaria. Visita o banco comunitário e recebe crédito produtivo em reais com juros baixos (1,5-3%). Compra equipamentos e ingredientes. Vende produtos por Palmas ou reais, aceitando desconto para pagamentos em Palmas (aumenta vendas). Paga o empréstimo ao banco comunitário, que reinveste em outros projetos comunitários.
Cenário prático C - Beneficiária em Maricá: Uma mãe solteira recebe 200 mumbucas mensalmente. Usa o cartão no supermercado local (economiza 5-10% com comerciantes locais). Paga conta de luz de R$ 30 pelo app. Compra remédio em farmácia credenciada. Transfere 20 mumbucas para vizinha por cuidado infantil. Tudo feito pelo smartphone. Beneficiários não podem converter para reais (restrição), garantindo circulação local.
O que cidadãos, organizações e comunidades poderão fazer
O marco regulatório amplia significativamente as possibilidades de uso das moedas sociais.
Para cidadãos individuais: Poderão abrir contas digitais gratuitas sem necessidade de conta bancária tradicional ou histórico de crédito. Investindoporai Terão acesso a crédito de consumo sem juros em moeda social e crédito produtivo com juros muito abaixo do mercado (1,5-3% vs. 10%+ em bancos). Poderão receber benefícios sociais governamentais diretamente em moeda social, fazer compras com descontos em estabelecimentos locais, pagar contas e recarregar celulares, e controlar gastos familiares através do aplicativo. Especialmente importante para os 34 milhões de brasileiros sem acesso bancário, que ganharão inclusão financeira completa. Periodicos.ufba.brInvestindoporai
Para comerciantes e empreendedores: Poderão aceitar pagamentos digitais com taxas menores que cartões tradicionais (2% vs. 4-7%). Edinheirobrasil Terão acesso a base ampliada de clientes com poder de compra (beneficiários de programas sociais). Receberão pagamentos instantâneos sem espera de liquidação. Poderão usar a moeda para pagar fornecedores locais, mantendo dinheiro circulando. Terão controle financeiro completo através de plataforma digital. Poderão converter para reais quando necessário (48h, taxa de 1%). Edinheirobrasil
Para organizações comunitárias e associações: Poderão criar seus próprios bancos comunitários seguindo o processo de certificação pelo MTE. Terão segurança jurídica para operar após 27 anos de incerteza legal. Poderão captar recursos e administrar programas de desenvolvimento local. Estabelecerão redes de produção e consumo solidários. Oferecerão educação financeira e capacitação para a comunidade. Fortalecerão identidade e coesão comunitária através da moeda própria.
Para prefeituras e governos municipais: Poderão criar moedas sociais municipais por lei local como política pública de combate à pobreza. Executarão programas de transferência de renda mantendo recursos circulando localmente. Contratarão bancos comunitários para gestão de benefícios sociais. Pagarão parte de salários de servidores em moeda social (garantindo reinvestimento local). Enap Estimularão desenvolvimento territorial e geração de emprego e renda. O governo federal está testando pagamento de benefícios sociais federais através de bancos comunitários em 2 municípios piloto, com expansão prevista. www
Requisitos e processos para criar ou usar moedas sociais
A regulamentação estabelece processos claros tanto para criação quanto para uso de moedas sociais.
Para criar banco comunitário (iniciativa comunitária): A comunidade deve primeiro se organizar, tipicamente através de associação de moradores ou OSC. Realizar seminário de planejamento definindo características do banco, serviços, governança. Constituir-se formalmente como Organização da Sociedade Civil. Formar conselho local de prestação de contas (deliberativo ou consultivo). Garantir capital inicial (doações, recursos públicos, depósito inicial). Registrar-se no Cadsol (Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários). GOV.BR Criar nome e design da moeda social refletindo identidade local. Estabelecer conta de reserva em reais para lastro. Recrutar rede de comerciantes para aceitar a moeda. Definir serviços (começando com básicos, expandindo gradualmente). Conectar-se à plataforma E-Dinheiro. Realizar educação comunitária promovendo benefícios.
Para criar banco municipal: A prefeitura deve primeiro tomar decisão política de criar o programa. Aprovar lei municipal criando Programa Social e Banco Municipal/Comunitário. Fazer chamamento público para seleção de Entidade Gestora (OSC). Banco MunicipalAderes Assinar termo de colaboração com a OSC. Separar fundo de reserva em reais (paridade 1:1 com moeda a ser emitida). Obter autorização do órgão regulador (Banco Central atualmente, MTE após nova lei). Escolher formato físico, digital ou ambos. www Cadastrar beneficiários elegíveis (via CadÚnico ou critérios locais). Credenciar estabelecimentos comerciais locais. Implementar plataforma tecnológica (E-Dinheiro ou similar). Lançar o programa. Monitorar circulação, impacto e ajustar conforme necessário.
Para usar como cidadão: O processo é simples e acessível. Visitar banco comunitário local ou baixar aplicativo E-Dinheiro. Fazer cadastro com CPF e telefone (sem necessidade de comprovação de renda ou histórico bancário). Depositar reais que são automaticamente convertidos 1:1 para moeda social, ou receber benefício social automaticamente se elegível. Usar aplicativo, SMS ou cartão para fazer compras. Buscar estabelecimentos credenciados (geralmente identificados com adesivos). Aproveitar descontos oferecidos por comerciantes locais.
Requisitos técnicos sob novo marco: As moedas devem operar exclusivamente em formato digital através de tecnologia de registro distribuído (blockchain). Manter lastro de 100% em reais. Indexação permanente 1:1 com o real. Banco Municipal +2 Registro e autorização pelo órgão competente (MTE/Senaes). GOV.BR Prestação de contas e transparência conforme regulamentação. Limites de contas, investimentos e taxas definidos pela regulamentação.
Os impactos esperados para comunidades e economia
O marco regulatório deve amplificar impactos já observados nas experiências existentes.
Inclusão financeira em escala: Atualmente, 34 milhões de brasileiros não têm acesso a serviços bancários segundo o Banco Central. Periodicos.ufba.brInvestindoporai As moedas sociais oferecem conta digital, transferências, pagamento de contas, microcrédito e recebimento de benefícios sem necessidade de conta bancária tradicional, histórico de crédito ou comprovação de renda. EdinheirobrasilInvestindoporai O sistema de garantia solidária baseado em confiança comunitária substitui exigências de colateral tradicional. Serviços são acessíveis via telefones celulares básicos, mesmo sem internet.
Retenção e circulação de riqueza local: Dados de Maricá mostram que 46% de todos os mumbucas emitidos permanecem no município (estudo UFF/Jain Family Institute). Diariodoporto Dos R$ 415 milhões gerados em 2021, R$ 262 milhões foram gastos em estabelecimentos cadastrados localmente. Prefeitura de Maricá Atualmente, 20% da economia local de Maricá passa pela moeda social. CNN BrasilPrefeitura de Maricá Menos de 5% é convertido para reais, demonstrando forte confiança dos comerciantes no sistema. Prefeitura de Maricá Cada mumbuca circula múltiplas vezes antes de eventual conversão, amplificando o impacto econômico local.
Geração de emprego e renda: Durante a pandemia de COVID-19 (janeiro-junho 2020), Maricá registrou aumento de 0,28% em empregos formais enquanto o resto do estado do Rio de Janeiro teve declínio. Em junho de 2020 isoladamente, foram 150 contratações a mais que demissões. Agência Brasil Estudo da Universidade Federal Fluminense concluiu que “Maricá apresentou desempenho bastante superior ao restante do estado tanto antes quanto após o início da pandemia”. Periódicos da Universidade Federal Fluminense Em Indiaroba (Sergipe), o Banco Aratu começou em 2022 com 32 empreendedores iniciais e cresceu para mais de 350 até 2025. GOV.BR
Desenvolvimento de empreendedorismo local: Os bancos comunitários oferecem microcrédito produtivo com juros de 2-3% comparado a 10%+ em bancos tradicionais. Aderes Não exigem comprovação de renda ou histórico bancário. Fornecem capacitação e educação financeira junto com o crédito. Criam mercado consumidor local através dos beneficiários com poder de compra. Em Vila Velha (ES), o Banco Terra já emprestou mais de R$ 400 mil para residentes com linhas de R$ 100 (consumo imediato), R$ 1.000 (produção) e R$ 2.500 (habitação). Governo ES
Fortalecimento da economia solidária: As moedas sociais promovem cooperação ao invés de competição, gestão coletiva (autogestão), comércio justo e sustentável, valorização humana sobre lucro e consciência ambiental. Segundo o economista Paul Singer, ex-secretário nacional de economia solidária, moedas sociais têm três objetivos principais: privilegiar consumo de recursos locais, dinamizar trocas dentro da economia local evitando acumulação e concentração de riqueza, e revisar valores associados às trocas criando regras de comercialização mais justas e sustentáveis. FGV EAESP
Impactos sociais além do econômico: Paul Singer também destacou que moedas sociais promovem inclusão social e melhoria de autoestima, desenvolvimento pessoal com estímulo contínuo à participação social, e amplificação da proximidade entre participantes. Manuela Mello, presidente do Banco Mumbuca, enfatiza: “Não estamos lidando apenas com números. São pessoas... é a dona Maria, é o seu José... São vínculos criados por causa da Moeda Social Mumbuca.” Prefeitura de Maricá
Estatísticas nacionais atuais (2024-2025): O Brasil conta com 152 bancos comunitários operando, 182 moedas sociais criadas (160 em circulação ativa), GOV.BRPonta Porã Informa 250 mil pessoas diretamente impactadas, 27 mil estabelecimentos comerciais aceitando moedas sociais, GOV.BR 11 milhões de transações realizadas em 2024, e R$ 1 bilhão movimentado em 2024. Entre 2021-2024, foram 12 milhões de transações totalizando R$ 1 bilhão. GOV.BR A distribuição geográfica mostra concentração no Ceará (38 moedas), Rio de Janeiro (17 moedas) e Espírito Santo (14 moedas). CNN Brasil
Perspectivas de especialistas e projeções futuras
Líderes do movimento, acadêmicos e gestores públicos compartilham visão otimista sobre o futuro pós-regulamentação.
Joaquim Melo (Banco Palmas/Rede Brasileira): “A proposta é boa, traz avanços e segurança jurídica para que a rede de bancos comunitários possa planejar o futuro. Estabelece regras claras quanto a diversos pontos, como número máximo de contas que bancos comunitários podem ter, critérios de conversão de moedas, investimentos e limites de taxas que podem ser cobrados.” GOV.BR Ele projeta expansão para 180+ moedas sociais no curto prazo e espera “que cada vez mais municípios criem moedas sociais e bancos comunitários como política pública de combate à pobreza e desigualdade social.” CNN Brasil
Gilberto Carvalho (Secretário Nacional de Economia Solidária/MTE): “A regulamentação cria um marco legal, com reconhecimento pelo governo brasileiro de que as moedas sociais são um instrumento poderoso de desenvolvimento e geração de riqueza nos territórios, sem afetar a moeda oficial. É importante porque reconhece o direito das comunidades de serem gestoras das riquezas de seus territórios e abre espaço para novas iniciativas dentro da legislação vigente.” GOV.BRMINUTO MT
Fernando Zamban (Diretor de Parcerias e Fomento/Senaes/MTE): “Moeda social é um instrumento importante de desenvolvimento territorial. Ela mantém a riqueza dentro do próprio município, estimulando a economia local, o comércio, os negócios e o crédito, ao invés de transferir esses recursos para outras regiões.” GOV.BRwww Sobre funcionários municipais pagos parcialmente em moeda social: “Quando um prefeito faz pagamentos salariais em moeda social, ele garante que esses recursos sejam reinvestidos na economia local, fomentando essa economia e garantindo desenvolvimento do comércio, geração de emprego e todo o círculo virtuoso que deriva disso.” Enap
Análise acadêmica (UFBA, 2023): Revisão sistemática da literatura concluiu que “Bancos de Desenvolvimento Comunitário, através de suas moedas sociais, proporcionam inclusão financeira para pessoas que não têm acesso a serviços bancários tradicionais, provando sua efetividade com evidência de implementações bem-sucedidas... permitindo que pessoas de classe baixa promovam circulação de riqueza dentro de suas comunidades.” Periodicos.ufba.br
Projeções de curto prazo (2025-2027): Aprovação pelo Senado esperada ainda em 2025 ou início de 2026. Expansão para 180+ moedas sociais. CNN BrasilGOV.BR Aumento da adoção municipal como política pública. Integração com programas sociais federais através de pilotos em expansão. Melhorias na plataforma tecnológica e governança open-source. Adequação das moedas existentes às novas regras no período de transição de 2 anos. Câmara dos Deputados
Projeções de médio prazo (2027-2030): Implementação potencial em favelas do Rio de Janeiro (Diego Zeidan, vice-prefeito de Maricá, assumiu Secretaria de Economia Solidária do RJ). Operacionalização do Sistema Nacional de Finanças Solidárias integrando bancos comunitários, moedas sociais, fundos solidários e cooperativas de crédito popular. Integração com programas de Renda Básica de Cidadania nacionalmente. Pesquisadores Eduardo Diniz (FGV) e Joaquim Melo avaliam que “a adoção de programas municipais de transferência de renda como moeda social local e digital por um número crescente de municípios certamente ajudará a aperfeiçoar seus processos regulatórios, tecnológicos e operacionais, contribuindo para a agenda da economia solidária na solução de problemas críticos do país.” Prefeitura de Maricá
Desafios e considerações importantes
Apesar do otimismo generalizado, especialistas identificam desafios que requerem atenção.
Governança e transparência: Segundo pesquisa do IPEA sobre digitalização, “hoje a questão mais complexa” é melhorar mecanismos de governança quanto a definição de requisitos, gestão de dados e controle de código-fonte. Ipea Com plataformas digitais, circulação de dados e proteção de privacidade requerem estruturas cuidadosas equilibrando transparência com confidencialidade.
Limites de escala: Pesquisas acadêmicas apontam que “aceitação de moeda social vai tão longe quanto a confiança entre usuários alcança” - requerendo forte coesão comunitária. Por design, moedas sociais circulam apenas localmente, limitando escala. Dependem de manter paridade 1:1 com o Real, exigindo reservas equivalentes. Wikipedia
Divisão digital: A exigência de formato exclusivamente digital pode excluir populações sem acesso a smartphones ou internet, potencialmente contradizendo objetivos de inclusão financeira. Alguns especialistas questionam se todos conseguirão se adaptar à tecnologia obrigatória.
Período de adequação: O prazo de 2 anos para adaptação às novas regras, especialmente a exigência de blockchain, pode ser insuficiente para comunidades pequenas. Há preocupações sobre complexidade técnica e custos de implementação.
Sustentabilidade financeira: A maioria dos bancos comunitários depende de subsídios contínuos (municipais ou doações). Questiona-se a sustentabilidade de longo prazo além da capacidade fiscal municipal, especialmente considerando que Maricá se beneficia de royalties de petróleo.
Risco político: Programas dependentes de administrações municipais são vulneráveis a mudanças políticas. Transições de governo podem interromper iniciativas, como demonstrado historicamente em alguns municípios.
Conclusão: transformação com segurança jurídica
O marco regulatório das moedas sociais representa reconhecimento oficial de uma inovação social brasileira com 27 anos de prática bem-sucedida. Ao fornecer segurança jurídica pela primeira vez, a regulamentação permitirá expansão responsável de um modelo comprovadamente efetivo para inclusão financeira, desenvolvimento local e fortalecimento comunitário.
Os principais avanços são claros: definição legal de moedas sociais e bancos comunitários, processo claro de autorização e certificação pelo MTE, regras operacionais definidas para proteção de usuários e comunidades, período de transição para adequação das moedas existentes, e possibilidade de integração com programas sociais governamentais de todos os níveis.
O impacto esperado é significativo: dos 34 milhões de brasileiros sem acesso bancário que ganharão inclusão financeira, aos R$ 1 bilhão que já circulam anualmente podendo crescer exponencialmente, às 152 comunidades com bancos existentes que terão segurança para planejar o futuro, e aos municípios de todo o país que poderão adotar moedas sociais como política pública.
A transformação virá com responsabilidade: exigências de blockchain e formato digital trazem segurança contra fraudes, lastro integral em reais protege valor e confiança dos usuários, autorização governamental garante supervisão adequada, e limites operacionais claros previnem excessos e riscos sistêmicos.
Conforme enfatiza Gilberto Carvalho, o marco “reconhece o direito das comunidades de serem gestoras das riquezas de seus territórios” enquanto o economista Paul Singer sempre defendeu que moedas sociais são instrumentos para “criar regras de comercialização mais justas e sustentáveis”. Com aprovação final esperada nos próximos meses, o Brasil se posicionará como referência internacional em regulamentação de finanças solidárias e desenvolvimento territorial sustentável.