A Ilusão da Descentralização: Como Reconstruir Comunidades Digitais Sustentáveis
Descentralização ou Ilusão? Entenda os desafios das organizações distribuídas e como podemos reconstruir comunidades digitais sustentáveis em um mundo cada vez mais centralizado.
RePensando as Comunidades: Os Desafios das Organizações Distribuídas e Descentralizadas
Este ensaio é uma reflexão sobre a descentralização de comunidades, tanto como modelo de negócios quanto como cadeia de valor. Baseado em diversas experiências de comunidades com essência colaborativa, exploro os desafios que impedem a criação de um modelo sustentável para descentralizar a colaboração de forma eficiente.
O Ser Humano e a Necessidade de Comunidade
O ser humano é um animal social e, ao longo da história, tem buscado formas de organização que permitam maior participação e autonomia. A descentralização tem sido um processo gradual, evoluindo ao longo dos anos e manifestando-se em diferentes estágios.
A Internet e a Democratização do Acesso
A internet tem desempenhado um papel fundamental na democratização do acesso a um mundo de possibilidades. No entanto, essa democratização ocorre em camadas. A primeira fase da internet foi marcada por conexões discadas e ferramentas rudimentares, exigindo conhecimento técnico para uso. Com o tempo, essas barreiras foram sendo derrubadas uma a uma, até chegarmos ao cenário atual, onde a acessibilidade e a participação digital se tornaram praticamente universais.
Os Estágios da Centralização e Descentralização
No início da computação pessoal, antes do Windows, o acesso aos computadores era feito através de linhas de comando, tornando seu uso restrito a pessoas com conhecimento técnico. A chegada do Windows foi uma revolução, permitindo a instalação de aplicativos e tornando o uso dos computadores mais acessível. No entanto, também criou um monopólio de fato, com a Microsoft dominando os sistemas operacionais, tendo apenas o macOS da Apple como concorrente relevante e uma resistência isolada dos usuários de Linux.
Com a Web2 e a internet baseada no conceito de "What You See Is What You Get" (WYSIWYG), plataformas surgiram para facilitar ainda mais o acesso e a produção de conteúdo. Durante esse período, softwares piratas foram progressivamente substituídos por aplicações online, onde contas conectadas se tornaram obrigatórias. Esse processo levou a uma nova fase de centralização, mesmo após um período inicial de descentralização.
Ainda na era do Windows, testemunhamos o surgimento de aplicações P2P (Peer-to-Peer), como Napster e Kazaa, que criaram uma internet mais anárquica e descentralizada, permitindo o compartilhamento de arquivos de maneira autônoma. Contudo, essa fase foi substituída pela predominância de grandes plataformas e protocolos que cresceram e passaram a ditar o funcionamento da internet.
Atualmente, podemos listar poucas grandes plataformas que monopolizam a atenção e definem os padrões de uso. As Big Techs e muitos protocolos da Web3 operam sob licenças de código aberto, mas com forte uso comercial, um modelo que se tornou padrão e amplamente aceito.
A internet impactou cada vez mais a sociedade por sua natureza disruptiva, aberta e inclusiva, permitindo que mais pessoas acessassem conteúdos e ferramentas melhores. Contudo, hoje vivemos o que pode ser chamado de uma internet semi-centralizada ou centralizada por permissão, onde as chaves de acesso, contas e ativos digitais não são de responsabilidade dos usuários. Esse cenário tornou necessária a criação de regras, leis e acordos para manter a internet operando como funciona atualmente.
As contas de e-mail e redes sociais estão se tornando repositórios mortos de atenção. Enquanto algumas pessoas se tornam ativamente presentes nesses espaços, outras apenas consomem conteúdo, participando de um ciclo contínuo de criação e consumo, um verdadeiro "vale-tudo" do conteúdo digital.
O Movimento Coletivo e a Evolução para o Empreendedorismo Digital
Durante esse período, conceitos como Crowdsourcing (sabedoria das multidões) e Crowdfunding (financiamento coletivo) passaram a ser amplamente debatidos em eventos e palestras. A ideia de reunir grupos de pessoas digitalmente para resolver problemas ou financiar iniciativas ganhou força com a internet e, principalmente, com as redes sociais. Empresas passaram a usar esse poder coletivo tanto para solucionar desafios internos quanto para melhorar seus serviços e produtos para os clientes.
Paralelamente ao movimento Crowd (coletivo), surgiram tendências como compras coletivas, redes de colaboração e a consolidação do GIG Economy (economia dos bicos), que mais tarde evoluiu para o empreendedorismo digital e de aplicativos, também conhecido como empreendedorismo instantâneo.
Esse movimento colaborativo foi amplamente estudado por especialistas do mercado digital e resultou na formação de comunidades colaborativas, compostas por diversos líderes e pensadores que há mais de uma década refletem sobre essa nova economia. Muitos deles identificaram falhas nos modelos coletivos colaborativos e, atualmente, ainda não encontraram uma forma sustentável de descentralizar a colaboração em larga escala.
Esse movimento ganha força com a cultura de Open Source, uma evolução mais ampla e estruturada do Crowdsourcing. Enquanto o Crowdsourcing acontecia majoritariamente em ambientes controlados por empresas, o Open Source permitiu a colaboração descentralizada em escala global.
A evolução da internet exigiu novos modelos de negócios e licenciamento, resultando na criação do Creative Commons, um marco importante na história da descentralização digital. Esse movimento teve nomes influentes, como Aaron Swartz, cuja trajetória é contada no documentário O Menino da Internet, destacando sua luta pelo acesso aberto ao conhecimento.
No entanto, esse jogo está prestes a mudar. As novas tecnologias e protocolos descentralizados oferecem um caminho promissor para a construção de comunidades verdadeiramente distribuídas e autossustentáveis.
Dado o tamanho e a profundidade deste tema, resolvi dividir este ensaio em duas partes. A cultura de Crowdsourcing, estudada há mais de duas décadas, é essencial para compreender o futuro da internet e da Web3, especialmente com a ascensão de tecnologias como Inteligência Artificial e Blockchain. Na próxima parte, explorarei as soluções emergentes para os desafios da descentralização e como podemos estruturar comunidades mais resilientes e eficientes no futuro.
A questão é que a viabilidade comercial no digital e no mundo físico dependem de negócios que sejam ou tendam para o monopólio. É justamente a força das plataformas que libera as forças criativas e as aprisiona em cima de padrões. Romper com a formação de monopólios ou concentração excessiva exige habilidades que temo não estarem disponíveis para aplicação. Ainda será necessário coletar mais evidências para apostarmos na sonha da descentralização